Donald Trump já está há meio ano de volta à Casa Branca — tempo suficiente para provar que não há fase de adaptação, muito menos aprendizado institucional. No seu segundo mandato, ele não governa: encena. E a mais recente cena foi digna de série distópica: a partir de 1º de agosto, todos os produtos brasileiros serão taxados em 50%. Sem exceção.
Não é exagero. É decreto. E não é exatamente comércio — é geopolítica de porrete. A velha diplomacia do grito, agora recauchutada com os instintos de um império nervoso, tentando lembrar ao mundo que ainda existe.A justificativa? Um suposto “desequilíbrio comercial” com o Brasil. Só que tem um detalhe inesperado: a balança comercial é favorável aos Estados Unidos. O Brasil importa mais do que exporta. Ou seja, se alguém está “ganhando demais”, são eles. Mas Trump nunca se deixou levar por fatos. Muito menos por planilhas.
A medida é inédita, desproporcional e, convenhamos, absurda. É como multar o passageiro do banco de trás porque o motorista furou o sinal. Mas por trás da tarifa está um recado claro: ou o Brasil se alinha à cartilha trumpista, ou vai levar castigo na balança.
Só que desta vez, Lula está decidido a aplicar reciprocidade — e não só no campo das tarifas. No Itamaraty e no Planalto, já se discute a necessidade de uma retaliação mais estratégica e assimétrica. E aqui faço uma proposta: por que não mirar nas big techs americanas, que faturam bilhões no Brasil e continuam operando como se estivessem acima da lei nacional?
Defendo que o país avance em regulamentação mais dura, taxação de lucros, revisão de isenções e exigência de contrapartidas locais. A lógica é simples: se o comércio virou campo de guerra, o digital também pode — e deve — ser incluído no tabuleiro. Não se trata de retaliação por vingança, mas de afirmação de soberania. A resposta do governo Lula tem sido firme — e bem-vinda. Fala-se em acionar a OMC, em retaliação comercial, em apertar o cerco regulatório sobre as plataformas e até em retomar o debate sobre soberania tecnológica. O Brasil precisa deixar claro que não aceita desaforo com código de barras nem com código-fonte.
Os impactos econômicos, no entanto, são reais — e preocupantes. O setor agroindustrial será o primeiro a sentir o tranco. Produtos como carne bovina, celulose, café e aço — que têm presença sólida no mercado americano — perdem competitividade de uma hora para outra.Pequenas e médias indústrias que exportam já alertam para risco de demissões. O dólar subiu, os mercados reagiram, e o governo, que apostava na estabilidade, agora terá que lidar com uma nova camada de incerteza.
E os efeitos não serão apenas econômicos. No campo político, o embate com Trump pode paradoxalmente beneficiar o governo. Em um país acostumado a ver o Brasil submisso aos interesses de Washington, a firmeza de Lula pode cair bem aos olhos da opinião pública — especialmente nas classes médias, que historicamente desconfiam do imperialismo disfarçado de “parceria”.
Em outras palavras: quanto mais Trump grita, mais o Brasil pode se unir. E isso pode ter reflexos diretos nas próximas pesquisas e, lá na frente, nas eleições de 2026.
Mas o que realmente tirou Trump do sério foi a última reunião dos BRICS.?Ali, Brasil — junto com China, Índia, Rússia e África do Sul — ousou desafiar a hegemonia do dólar, propondo ampliar o uso de moedas locais no comércio entre os países do bloco.
Não é pouca coisa: os BRICS já ultrapassaram o G7 em PIB somado, medido por paridade de poder de compra. Ou seja, o chamado “sul global” já é maior que o “norte rico” — e começa a agir como tal. Isso não é só diplomacia: é ruptura simbólica. Para um império em declínio, é inaceitável.
Nesse contexto, o Brasil virou alvo não apenas por seus produtos, mas por sua postura. Por fazer parte de um grupo que pensa o mundo fora do eixo Wall Street–Pentágono. Por defender multipolaridade, integração regional e soberania econômica. A tarifa é punição — mas também aviso: “não ousem sair da fila”.
A medida americana, como já vimos, não veio do nada. Mas, agora, o pano de fundo fica mais claro. O avanço dos BRICS incomoda, o cerco às big techs inquieta, e o julgamento de Bolsonaro serve como pretexto. Trump não morre de amores por ele — nem por ninguém, além de si próprio. Mas no seu mundo binário, punir o Brasil serve como aviso global: desafie Washington e pague o preço, mesmo que o motivo oficial seja só o bode na sala.
Há uma camada mais profunda nesse teatro de ameaças. Muitos analistas já veem nessas ações impulsivas — e por vezes caricatas — um sintoma do que teóricos chamam de “a ruína do império”. Um império que não sabe envelhecer com elegância.
Trump, com sua retórica de guerra comercial, seu saudosismo industrial e seu medo de perder o controle do mundo, representa menos o futuro dos EUA e mais sua dificuldade em aceitar que o mundo mudou. A tarifa contra o Brasil não é uma política — é um espasmo. Um soluço de grandeza de um império que já não impõe como antes, mas ainda esbraveja com força.
Se o governo souber transformar essa crise em afirmação de projeto, pode sair mais forte — aqui dentro e lá fora. Porque, no fim das contas, soberania não se mede por PIB. Se mede por postura.
Até a próxima — o Brasil deixou de ser colônia faz tempo. Mas parece que esqueceram de avisar em Washington.
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