A Construção das Sombras que Acompanhamos
- Zé Maia
- 12 de nov.
- 2 min de leitura

Há temas que retornam à vida nacional como velhos fantasmas — não porque sejam meras lembranças, mas porque nunca deixaram realmente de existir.
O Brasil, em muitos aspectos, parece viver em camadas sobrepostas de tempo: o passado insiste em influenciar o presente, moldando gestos, discursos, crenças e certezas que julgamos naturais, mas que são, na verdade, heranças cuidadosamente preservadas.
A maior armadilha que enfrentamos é acreditar que certas estruturas nasceram conosco, como se fossem parte inevitável da paisagem humana. Não são. E justamente por isso merecem ser revisitadas com franqueza. É confortável pensar que somos fruto de uma harmonia espontânea, de uma convivência naturalmente pacífica, de uma suposta tendência brasileira à concórdia. Mas conforto não é sinônimo de verdade.
Nosso percurso coletivo é atravessado por decisões difíceis, violências normalizadas, silenciamentos prolongados e desigualdades que se tornaram rotina. A história nos mostra que muitos dos nossos problemas não surgem de rupturas súbitas, mas da persistência de hábitos antigos — alguns tão arraigados que confundem poder com tutela, autoridade com destino, desigualdade com ordem natural.
Em épocas de crise, esse emaranhado se torna ainda mais visível. A insegurança abre espaço para discursos que prometem resgatar um passado idealizado, como se existisse na memória nacional um momento em que tudo funcionou perfeitamente. Esse paraíso perdido, porém, nunca existiu. Ele é construção — e toda construção é um projeto político.
Quando tensões se aprofundam, aparece a tentação de acreditar em versões únicas da realidade, narrativas prontas que eliminam nuances e transformam divergências em inimigos. É exatamente nesses momentos que a reflexão se torna urgente.
A história — qualquer história — não serve para nos consolar, mas para nos incomodar. Para retirar o verniz das certezas fáceis. Para revelar que convivemos com mitos que, de tão repetidos, ganharam status de verdade.
Se desejamos realmente compreender o país que somos, precisamos abandonar a ideia de que os problemas são sempre culpa de “outros” ou de tempos remotos e intocáveis. O passado não está distante: ele continua entre nós, reorganizado em novas formas, novos discursos e novos atores.
A maturidade de uma nação não se mede pela capacidade de ocultar seus conflitos, mas pela coragem de enfrentá-los sem ilusão. Isso implica reconhecer que avanços institucionais não anulam comportamentos arraigados, que desigualdades históricas não se dissolvem espontaneamente e que liberdade formal não garante igualdade real.
Refletir sobre quem fomos — e, sobretudo, sobre quem insistimos em ser — é um exercício de responsabilidade. Não para alimentar pessimismo, mas para sustentar lucidez.
A história não nos dá receitas prontas, mas oferece algo ainda mais valioso: a possibilidade de não repetirmos eternamente os mesmos erros.
O país que projetamos depende menos de idealizações e mais da disposição de encarar, sem medo, as sombras que nos acompanham. Só assim o futuro deixa de ser promessa vaga e se torna construção consciente.









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