Relatório aponta caminhos para evitar catástrofe ambiental planetária
- Redação RT Notícia
- há 4 dias
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Se o objetivo é viver bem e produzir riqueza a longo prazo, preservar a natureza é o melhor negócio que os seres humanos podem fazer. Em resumo, essa é a mensagem central da sétima edição do relatório Perspectivas do Meio Ambiente Global (GEO-7, na sigla em inglês), produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e apresentado nesta terça-feira (9/12) como “a avaliação mais abrangente já realizada” sobre o estado de saúde do planeta Terra.
Produzido por um conjunto de 287 pesquisadores, de 82 países (incluindo vários brasileiros), o documento apresenta um diagnóstico detalhado de como atividades humanas estão impactando a natureza e o que precisa ser feito para minimizar esses impactos, pelo bem da própria humanidade. “Nossa mensagem é muito simples: o tempo está acabando, mas as soluções existem”, resumiu Ying Wang, uma das coordenadoras do GEO-7, no evento de lançamento do relatório.
A má notícia é que estamos caminhando a passos largos para um colapso generalizado de todos os sistemas naturais (terrestres, aquáticos, marinhos e atmosféricos) dos quais dependemos para a nossa sobrevivência e nossa qualidade de vida. A crise climática, causada pela queima de combustíveis fósseis, é apenas parte do problema. Aquecimento global, desmatamento, perda de biodiversidade, desertificação, acidificação dos oceanos, caça e pesca predatórias, degradação e poluição de ecossistemas em geral — entre outros problemas — formam uma combinação cataclísmica de impactos socioambientais que precisam ser revertidos com urgência.
“O consenso científico é que seguir os caminhos de desenvolvimento atuais levará a mudanças climáticas catastróficas, devastação da natureza e da biodiversidade, degradação debilitante da terra, desertificação e poluição mortal persistente — tudo isso a um custo enorme para as pessoas, o planeta e as economias”, alerta o PNUMA.
O relatório enfatiza que a situação atual precisa ser encarada não apenas como um problema ambiental, mas como uma crise econômica, social e existencial de amplo espectro, que ameaça a saúde e a segurança alimentar, hídrica, energética e climática de bilhões de pessoas ao redor do mundo. Só a poluição do ar, por exemplo, mata mais de 8 milhões de pessoas por ano.
Alguns indicadores do colapso ambiental destacados no relatório, segundo o PNUMA
—A taxa de aquecimento global provavelmente será maior do que as estimativas centrais das projeções anteriores do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), aumentando o risco de ultrapassar irreversivelmente vários pontos de inflexão climática (tipping points) nas próximas décadas, incluindo grandes mudanças na circulação oceânica, perda acelerada de mantos de gelo, degelo generalizado do permafrost, declínio de florestas e colapso de ecossistemas de recifes de corais.
— 1 milhão, dos cerca de 8 milhões de espécies conhecidas, está ameaçado de extinção, algumas nas próximas décadas. As populações de muitas outras espécies estão em declínio e sua diversidade genética está sendo significativamente reduzida.
— Entre 20% e 40% da área terrestre foi estimada como degradada em 2022. Entre 2015 e 2019, pelo menos 100 milhões de hectares (o equivalente ao tamanho da Etiópia ou da Colômbia) de terras férteis e produtivas foram degradadas anualmente em todo o mundo.
— O volume anual de resíduos sólidos produzidos já ultrapassa 2 bilhões de toneladas e, mantidas as tendências atuais, deve aumentar para 3,8 bilhões de toneladas até 2050.
“Está muito claro que há uma crise ambiental global. O clima da Terra está mudando, a biodiversidade está sendo perdida, a poluição está aumentando e as terras estão se degradando, e todas essas questões são interligadas e precisam ser abordadas em conjunto. Coletivamente, esses problemas estão minando o bem‑estar humano, a redução da pobreza, a saúde, a segurança alimentar e hídrica, e estão causando danos econômicos e sociais substanciais”, disse o pesquisador Robert Watson, um dos coordenadores do GEO-7, no lançamento do documento.
O relatório reforça muitos dos alertas feitos durante a COP30, a conferência do clima que ocorreu no mês passado em Belém do Pará, e faz um apelo pelo cumprimento das metas estabelecidas nas convenções sobre Mudança Climática, Biodiversidade e Desertificação da ONU, além dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que “expiram” em 2030 e não serão alcançados pelas políticas atuais. “Sem uma ação rápida e transformadora, a humanidade corre o risco de enfrentar um aumento de três graus Celsius nas temperaturas globais, poluição desenfreada e uma perda catastrófica de biodiversidade”, escrevem os coordenadores do relatório, no prefácio do documento. “Se quisermos evitar uma catástrofe para a humanidade, é preciso agir agora — os próximos cinco anos são cruciais.”
Dentre todos os ecossistemas, os recifes de coral de águas quentes são o que correm risco mais iminente de colapso — justamente em função dessa combinação cumulativa de impactos associados às mudanças climáticas, poluição marinha, degradação ambiental, pesca predatória e outras atividades humanas. Estudos citados no relatório indicam que 90% dos corais tropicais poderão desaparecer se o aquecimento global passar de 1,5° Celsius; o que implicaria prejuízos imensos para a biodiversidade marinha e para milhões de pessoas que dependem desses ecossistemas para a sua sobrevivência.
Até agora, a temperatura média do planeta já aumentou 1,3° Celsius, em comparação com a média da era pré-industrial, e alguns cientistas estimam que a marca de 1,5° de aquecimento será ultrapassada nos próximos cinco a dez anos.
Boa notícia
A boa notícia é que ainda dá tempo de reverter essa situação, se agirmos com urgência, e que isso pode ser extremamente benéfico, não só como estratégia de sobrevivência, mas também de promoção do desenvolvimento econômico e social. “Embora existam custos iniciais, o custo econômico da inação é muito maior e o retorno a longo prazo do investimento na transformação é nítido”, alerta o documento do PNUMA.
Segundo o relatório, a transição para um modelo mais sustentável de desenvolvimento — que não superaqueça o planeta nem destrua a natureza — geraria um retorno para a economia mundial de até US$ 20 trilhões por ano a partir de 2050 e de até US$ 100 trilhões por ano, a partir de 2070; ao mesmo tempo em que evitaria milhões de mortes e tiraria milhões de pessoas da pobreza. O custo das mudanças necessárias para fazer essa transformação positiva, comparativamente, seria de US$ 3 trilhões ao ano até 2040.
O retorno sobre esse investimento, porém, só se concretizará com uma reforma estrutural profunda dos sistemas econômico e financeiro globais. “Essa é uma premissa básica do relatório”, diz o cientista Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física e cocoordenador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável da USP, que foi um dos revisores do GEO-7.
“Você tem que transformar o modelo que nós temos hoje em algo que seja minimamente sustentável do ponto de vista social, econômico, ambiental e climático.”
Algumas mudanças fundamentais, segundo o relatório, incluem a eliminação de subsídios e outros incentivos fiscais para atividades geradoras de grande impacto ambiental (como a produção de combustíveis fósseis), e a incorporação do custo de externalidades ambientais e sociais ao preço de produtos, de forma a refletir o custo real de sua produção — por exemplo, incorporando os custos dos impactos decorrentes da emissões de carbono e do uso de recursos hídricos e pesticidas ao preço de commodities agrícolas.
Os pesquisadores reconhecem que isso poderá elevar o custo de alimentos e energia para o consumidor final, mas argumentam que se trata de um dilema incontornável, e que é preciso criar mecanismos de compensação econômica e social para amortecer esse impacto. “É um trade-off necessário, que cada sociedade precisa discutir como implementar”, avalia Artaxo. Ignorar os custos dessas externalidades hoje, segundo ele, só aumenta o custo que as próximas gerações, inevitavelmente, terão de pagar por eles no futuro. “Alguém vai pagar essa conta”, diz Artaxo. “O problema é que o preço aumenta exponencialmente com o tempo, conforme a gente caminha para a intensificação das mudanças climáticas.”
Também é fundamental transitar rapidamente para sistemas agrícolas e energéticos de baixo impacto ambiental, e para modelos de economia circular, capazes de reduzir a produção de resíduos sólidos (como lixo plástico e eletrônico) e a demanda por recursos naturais e minerais para a fabricação de novos produtos.
O esforço precisa ser coletivo e envolver todos os setores, com indivíduos, instituições, empresas e governos trabalhando em sinergia para produzir uma mudança sistêmica de larga escala — incluindo mudanças em hábitos de consumo, desenvolvimento (e adoção) de novas tecnologias, promoção (e implementação) de políticas públicas favoráveis à sustentabilidade, e assim por diante.
Outro ponto crucial, destacado ao longo de todo os relatório, é a importância da integração e da valorização do conhecimento de populações indígenas e outros povos tradicionais na construção de soluções sustentáveis. “Um planejamento inclusivo envolve conciliar as contribuições, os interesses concorrentes e as diversas visões de múltiplos atores da sociedade, incluindo os povos indígenas e as comunidades locais. A colaboração entre os povos indígenas e os governos locais, regionais e nacionais é essencial nesse sentido”, diz o documento.
Mudanças necessárias para evitar o colapso ambiental global, organizadas em cinco áreas-chave, segundo o PNUMA
—Economia e finanças: Ir além do conceito de PIB (Produto Interno Bruto) para incluir métricas de riqueza mais inclusivas e abrangentes, que contemplem valores naturais e sociais; precificar as externalidades positivas e negativas para valorizar corretamente os bens; eliminar progressivamente e reorientar subsídios, impostos e outros incentivos que resultem em impactos negativos na natureza.
—Materiais e lixo: Implementar design circular de produtos, transparência e rastreabilidade de produtos, componentes e materiais ; direcionar os investimentos para modelos de negócio circulares e regenerativos; mudar os padrões de consumo em direção à circularidade por meio da mudança de mentalidades e comportamentos.
– Energia: Descarbonizar o fornecimento de energia; aumentar a eficiência energética; apoiar a sustentabilidade social e ambiental nas cadeias de valor de minerais críticos; ampliar o acesso à energia e combater a pobreza energética.
—Sistemas alimentares: Transição para dietas saudáveis e sustentáveis; aumentar a circularidade e a eficiência da produção; e reduzir a perda e o desperdício de alimentos.
—Meio ambiente: Acelerar a conservação e restauração da biodiversidade e dos ecossistemas; apoiar a adaptação e a resiliência climática, recorrendo a Soluções Baseadas na Natureza; implementar estratégias de mitigação climática, com redução nas emissões de gases do efeito estufa.
O relatório completo tem mais de 1.200 páginas e 21 capítulos, cada um redigido e revisado por dezenas de cientistas, com base em centenas de estudos e relatórios científicos. O lançamento oficial ocorreu em Nairóbi, no Quênia (onde fica a sede do PNUMA), durante a sétima sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o órgão máximo de deliberação sobre temas ambientais no sistema da ONU.
“A gente não precisa caminhar no escuro”, diz o pesquisador Jean Pierre Ometto, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um dos autores brasileiros do relatório. Ele destaca que o documento, ao mesmo tempo que faz alertas preocupantes, aponta os caminhos e oferece as informações científicas para executar as mudanças de rota necessárias. “Não é só que tem uma luz no fim do túnel; nós estamos com a lanterna na mão”, disse Ometto ao Jornal da USP. “O que precisamos fazer é iluminar os cantos certos, para não pisar no buraco.”
Soluções customizadas
Além do diagnóstico global, o GEO-7 também traz análises e recomendações customizadas para cada uma das cinco grandes regiões do mundo reconhecidas pela ONU: América Latina e Caribe; Europa Ocidental e Outros Estados (incluindo Estados Unidos, Canadá e Austrália); África; Europa Oriental (incluindo a Rússia) e Ásia-Pacífico.
Uma das características diferenciais da América Latina, segundo Ometto, é sua dependência de recursos naturais e estabilidade climática para a produção de energia e alimentos — uma relação que traz ao mesmo tempo vantagens e vulnerabilidades. No caso do Brasil, alterações no padrões de chuva causadas pelo desmatamento e pelas mudanças climáticas, por exemplo, podem ser desastrosas para a agricultura e para a segurança energética do País, já que a maior parte da eletricidade produzida aqui vem de hidrelétricas, que dependem de chuva para funcionar.
“Na América Latina e no Caribe, o cenário de Tendências Atuais terá implicações significativas para os sistemas humanos e naturais”, diz o relatório. “As consequências para a biodiversidade e para os sistemas humanos devem se intensificar devido ao aumento da frequência e da intensidade de ondas de calor e secas extremas. Esses efeitos, agravados por eventos extremos de inundação, exercerão uma pressão crescente sobre os recursos hídricos, com sérias consequências para a pesca e a agricultura.”
“A relação dos países da América Latina com os bens naturais é muito forte. A transição (para um novo modelo de desenvolvimento) precisa respeitar e resgatar essa relação”, afirma Ometto. Ele é um dos autores principais do Capítulo 20 do relatório, que trata dessas realidades regionais, ao lado da pesquisadora Danielle Denny, do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), e do Centro de Pesquisa em Carbono na Agricultura Tropical (CCarbon), ambos da USP.
“A América Latina e Caribe é uma região-chave para transição ecológica, tanto na parte de adoção de tecnologias como na de mudanças de comportamento”, disse Denny, que também é pós-doutoranda na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba.
Esse olhar regionalizado do relatório é essencial para desenvolver soluções que sejam compatíveis com a realidade de cada país ou região, aponta Artaxo. “Isso é fundamental, porque não existe uma solução que funcione para todo mundo. As soluções que funcionam para China, Estocolmo e Montreal não servem para Brasil, Rio de Janeiro e Salvador”, compara o pesquisador.
Uma das implicações disso, segundo Artaxo, é que a ciência brasileira precisa ser fortalecida para desenvolver essas estratégias customizadas para a realidade nacional. “Ou a gente desenvolve, com a nossa própria ciência, estratégias de mitigação e adaptação para cada cidade e cada região brasileira, ou vamos sofrer consequências econômicas pesadas”, sacramenta o professor da USP.
A íntegra do relatório GEO-7 pode ser baixada aqui.
Texto: Herton Escobar (Jornal da USP)
Foto: Herton Escobar / USP Imagens









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