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Crise no Planalto, Popularidade nas Ruas - Artigo de Filinto Branco

Quem olhar apenas a cena institucional verá um governo acuado, perdendo votações no Congresso, enfrentando debandada da base e recorrendo ao Supremo para tentar manter de pé um decreto que aumentava o IOF sobre operações de crédito. Verá também prefeitos sendo presos em operação da Polícia Federal por desvio de emendas parlamentares, e o orçamento federal sendo capturado — sem resistência — por um Legislativo que se acostumou a governar por conta própria. Tudo isso é verdade. Mas há uma outra camada dessa crise que começa a ganhar relevo: a do campo simbólico. E é nesse terreno que Lula pode estar prestes a virar o jogo.


Porque se Brasília mergulha em paralisia, o país real segue se movendo. E começa a perceber que o embate entre Executivo e Congresso não é uma disputa técnica sobre alíquotas, mas uma luta política com contornos sociais cada vez mais evidentes. De um lado, um governo que tenta (ainda que de forma hesitante e mal articulada) reequilibrar o sistema tributário. Do outro, um Congresso que age como fiador dos interesses de uma elite econômica blindada — que repele qualquer tentativa de taxação progressiva como se fosse crime de lesa-patrimônio.


A batalha pelo IOF, nesse contexto, pode ter sido o estopim de algo maior: a reconfiguração da narrativa política. Lula, até então visto como refém de um Congresso voraz, agora começa a se beneficiar da polarização institucional. Ao tentar conter privilégios e barrar a farra das emendas impositivas— mesmo que tardiamente —, o governo se reposiciona como contraponto ao cinismo de um sistema que há anos governa em nome de poucos, com dinheiro de todos.


No meio desse impasse, o ministro Alexandre de Moraes decidiu suspender tanto o decreto do governo quanto o do Congresso, propondo uma audiência de conciliação entre os Poderes. Na prática, é o reconhecimento de que a crise já ultrapassou os limites institucionais do razoável. Um Executivo que não governa, um Congresso que ocupa a função de caixa e um Judiciário que vira árbitro da política. O gesto de Moraes, embora revestido de equilíbrio, apenas escancara a desordem: precisamos de conciliação até para decidir um imposto.


A chave agora é simbólica: transformar a crise em um confronto moral. Congresso contra povo. Emendas para os ricos versus um SUS sucateado, escolas sem verba e alimentação cara. Se conseguir sustentar esse enredo, Lula pode recuperar a tração popular  — não apenas devido ao conflito com o Legislativo, mas principalmente em virtude dele. É esperado que as próximas pesquisas já revelem uma leve recuperação em sua aprovação, impulsionada por essa nova percepção de confronto entre o governo e os detentores do poder econômico.


A aprovação do governo caiu nos últimos meses — isso é um fato. No entanto, há uma janela de oportunidade se abrindo: a de reacender a indignação. Se Lula conseguir mostrar que está enfrentando o esquema de emendas que alimenta corrupção, clientelismo e desigualdade, poderá reconectar-se com o potente sentimento de injustiça que permeia o país.


E esse embate tende a se intensificar. As próximas votações no Congresso devem acirrar ainda mais os ânimos, especialmente quando entrarem em pauta propostas como a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Para compensar a perda de arrecadação, o governo quer taxar os mais ricos — fundos exclusivos, offshore, grandes patrimônios. É aí que mora o conflito: mexer com os pobres dá voto. Mexer com os ricos dá briga. E o Congresso, como se sabe, costuma proteger quem tem menos votos, mas mais dinheiro.


Durante décadas, o Brasil conviveu com uma ilusão de equilíbrio entre os Poderes. Mas o atual modelo, em que o Congresso escreve sozinho o orçamento e o Executivo apenas assina o cheque, implode a ideia de governabilidade. O Planalto virou despachante de luxo dos interesses paroquiais. E quando tenta reagir — como no caso do IOF —, apanha.


Mas aqui está a reviravolta possível: ao apanhar, Lula volta a ser reconhecido por parte do eleitorado como aquele que “peita os de cima”. E nesse Brasil cansado de promessas técnicas, quem enfrenta os donos do cofre pode, paradoxalmente, se fortalecer. Especialmente se conseguir comunicar bem esse enfrentamento.


O conflito com o Congresso, portanto, não precisa ser uma derrota. Pode ser o embrião de uma nova fase política. Desde que o Planalto pare de querer conciliar com o inconciliável e assuma, de vez, o confronto — com coragem, clareza e comunicação afiada.


Porque o que está em jogo vai além do IOF, das emendas ou das prisões no interior. Trata-se de um país cansado de ver seus recursos sendo negociados nos bastidores, enquanto a vida real — a da maioria — continua sendo feita de fila no posto de saúde, arroz caro no mercado e escola sem professor.


Se o governo souber ler esse momento, pode virar o jogo. Mas é preciso disputar a narrativa da crise. Ou Brasília continuará governando para si mesma — e o povo, mais uma vez, ficará do lado de fora da história. Até a próxima — com a esperança de que não sejamos apenas plateia.


Publicado originalmente por Filinto Branco no Última Hora

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