Em outubro, o Hospital Getulio Vargas Filho, o Getulinho, em Niterói, realizou uma série de comemorações por suas sete décadas de existência servindo saúde pediátrica de qualidade na Região Metropolitana II. Além de uma festa com a presença de autoridades, a celebração conciliou com sua III Mostra Científica, garantido aprendizado em palestras e debates de roda, bem como troca de experiências entre profissionais e encontro de ex-estagiários.
1º dia: pneumonia e tuberculose como tema
Iniciando a Mostra Científica, na quinta-feira, 3, o hospital reuniu seus profissionais para o debate sobre as doenças respiratórias de pneumonia e tuberculose, discutindo avanços, desafios e práticas do combate a essas doenças em crianças e adolescentes.
A diretora executiva, Julienne Martins, abriu o evento saudando os presentes e destacou o papel fundamental das equipes na excelência do atendimento prestado pelo Getulinho. “Estamos fazendo esse evento pelos 70 anos do Getulinho para mostrar como cuidamos de nossas crianças e adolescentes e como devolvemos saúde para a população”, afirmou.
Durante a primeira apresentação, a Dra. Clarissa Netto exibiu uma análise abrangente sobre os dados de tuberculose no hospital desde 2015. Em média, são registrados cerca de sete casos por ano, com uma taxa de mortalidade quase nula, resultado da atenção qualificada oferecida pela unidade de saúde. Clarissa ressaltou as dificuldades no diagnóstico da tuberculose infantil e explicou que a doença pode se manifestar de diferentes formas, como a forma pulmonar ou causando derrame pleural. Ela também sublinhou a importância do uso de testes rápidos moleculares para a identificação dos casos, essencial para o sucesso do tratamento.
Com o tema "Pneumonia Comunitária: O que há de novo?", a convidada Dra. Maria de Fátima Bazhini, do Departamento Materno Infantil da Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou em cima de artigos de 2022 a 2024, das complicações da pneumonia adquirida na comunidade complicada (PACC).
Ressaltando o papel da prevenção na aplicação das vacinas, como a PCV-10, que é a utilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), Maria de Fátima reforçou a atenção com a dosagem adequada de antibióticos como a penicilina que, segundo ela, “não devem ser receitados para qualquer tipo de febre” e do excesso de exames de imagem, como a tomografia, frente a percepção da "evolução clínica" do paciente.
Confirmado o caso, complicações como derrame pleural, empiema, abscesso e necrosante exigem das equipes uma abordagem cuidadosa no combate aos pneumococos. A médica e estudiosa também sublinhou a atenção especial a ser dada para pacientes com HIV e doença falciforme, por conta da vulnerabilidade do organismo adoecido.
O Dr. Clemax Couto, ao tratar do tema “Tuberculose: o que mudou?”, iniciou demonstrando as diferenças no contágio e manifestação da tuberculose em duas faixas etárias diferentes. Ele explicou que, até os 10 anos, o contágio ocorre principalmente pelo contato, enquanto após essa idade há uma maior positividade bacteriológica e sintomas mais evidentes, como expectoração, além das tosse e febres persistentes e a perda de peso que também afetam os menores de 10.
Clemax também tratou da dissociação clínico-radiológica e das diferentes combinações de medicamentos, como RHZ, RH, RHZE e o esquema 3HP. Segundo ele, “cerca de um quarto da população mundial abriga os bacilos da tuberculose, mesmo que não apresentem sintomas, o que torna a investigação de contatos um grande desafio”.
Mediado pela Dra. que atua na casa, Sabrina Teresinha Alvin, os palestrantes parabenizaram o Getulinho pelo seu 70º aniversário. Maria de Fátima destacou a excelência do atendimento prestado: “Aqui as crianças são muito bem conduzidas, existe uma devolução ao SUS de se orgulhar”.
2º dia: casos de sucesso debatidos
Na quarta-feira, 9, aconteceram duas discussões muito produtivas com a comunidade hospitalar sobre dois estudos de casos exitosos de atendimento no hospital.
Pela manhã, a responsável técnica do Serviço Social, Denise Melo, trouxe a situação de dois irmãos, de 3 e de 5 anos, que sofreram queimaduras nas mãos no fogão por uma violência cometida pela mãe.
O menino de 3 anos ficou mais grave, tendo sofrido queimaduras de 3º grau e passou por enxerto cutâneo e se alimentou por suplemento proteico. Após a recuperação da pega, e de receberem alta, as crianças foram encaminhadas para acompanhamento pelo ambulatório do hospital e para a rede de saúde mental pública, voltando para a vida típica de criança. A vantagem do acolhimento da família do pai neste caso, bem como o envolvimento do Conselho Tutelar em casos de violência e a preocupação com a saúde e o direito das crianças acima do desejo punitivo de julgar o(a) agressor(a), também foram temas trabalhados em uma parceria dos setores de Serviço Social, Psicologia, Nutrição e Cirurgia.
Já na tarde, em mediação da responsável técnica da Fisioterapia, Raísa Nachtigal, foi trabalhado um caso de uma paciente de 2 meses com tosse, coriza e engasgos e que já tinha passado por uma bronquiolite. Neste caso, foram relatadas as vantagens do uso do Cateter nasal de alto fluxo (CNAF), um método de oxigenoterapia que o hospital adquiriu recentemente e que tem ajudado em muitos tratamentos do tipo por garantir um grande fluxo de oxigênio aquecido. Além da Fisioterapia, a mesa contou com representantes da Psicologia, Enfermagem e Pediatra.
3º dia: apresentação de trabalhos temáticos e encontro de ex-estagiários
No dia seguinte, na quinta, 10, as atividades começaram com apresentações de trabalhos com convidados especiais.
Na primeira exposição, a pediatra da casa, Pamella Karla, fez um panorama sobre os casos de arboviroses (zika, dengue e chikungunya) nas crianças e adolescentes atendidos no Getulinho entre 2018 e 2021. “O clima tropical favorece a proliferação do Aedes aegypti”, iniciou. Tendo pico de casos em 2019, a pesquisa reuniu 439 pacientes, sendo que 106 tiveram que ser internados. Por ser mais recente, de difícil diagnóstico clínico e afetar as articulações do corpo, a Chikungunya torna-se a arbovirose de maior atenção. O uso do PCR e da sorologia para o diagnóstico; os tipos de manifestações clínicas (com a febre sobressaindo na maioria dos casos); e a soltura dos mosquitos com a bactéria Wolbachia – uma parceria da Secretaria Municipal de Saúde com a Fiocruz e que diminui a possibilidade de outros mosquitos conseguirem infectar a população – foram alguns dos assuntos levantados.
Posteriormente, a Dra. Roberta Gabriela de Mattos trouxe seu estudo dos internados em pneumonia de 2000 a 2021, que demonstram, satisfatoriamente, queda dos casos, devido a melhoria de qualidade de vida (como condições de higiene e alimentação) da população e a ampliação da vacinação PVC-10. Como no caso das arboviroses relatadas pela Dra. Pamella, em 2019, também tivemos o auge dos diagnósticos de pneumonia grave. Roberta trouxe os principais agentes etiológicos para a Pneumonia Adquirida na Comunidade (PAC) e alerta para a importância dos profissionais colocarem todas as informações possíveis nos prontuários.
Fechando as apresentações, as enfermeiras Rosane Cordeiro e Camily Mesquita trataram das vantagens do uso do brinquedo terapêutico na assistência aos usuários. De forma geral, o ato de brincar da criança estimula sua capacidade intelectual, atua como atividade física e aguça a criatividade. Especificamente no tratamento hospitalar, alivia a ansiedade da experiência atípica de estar neste espaço. O brinquedo terapêutico pode ser dividido em três tipos: dramático (que permite que a criança exteriorize suas experiências), instrucional (envolvendo e preparando a criança para o procedimento que vai ser realizado) e o de autocuidado (que capacita as funções fisiológicas do paciente).
Já a mesa da tarde do dia 10, foi regada de muita emoção. Ex-estagiários do Getulinho se reuniram para trocar experiências durante suas vivências no hospital. Funcionando também como um polo de estudo em saúde, o Getulinho tem as portas abertas para estágios e residências, e relatos bonitos foram compartilhados neste momento, que contou com a participação do ex-diretor do hospital, Marco Aurelio Rebello. O trabalho integrado e multidisciplinar; a utilização dos rounds, que debatem a situação dos pacientes; e o trato humanizado na pediatria foram alguns dos elogios divididos entre os presentes, fazendo vários chorarem de emoção ao relembrar de fatos passados. “O Getulinho é uma verdadeira escola de aprendizado e de diagnóstico diferencial”, afirmou Marco Aurelio.
Em especial, o caso do paciente Isaias foi lembrado na discussão, devido seu progresso, tendo chegado sem interagir e ter progredido muito e se tornado um verdadeiro xodó por todos do hospital, em que segue em acompanhamento ambulatorial.
Mostra itinerante - Além desses encontros realizados na Sala de Reunião, as equipes multiprofissionais rodaram por todo o hospital apresentando para os usuários e familiares, diversos materiais temáticos nos seguintes temas: atividades físicas, desenvolvimento motor, fotoproteção, psicologia, meio ambiente, imunidade, direitos sociais, saúde do trabalhador, saúde bucal, doenças respiratórias, puericultura e saúde alimentar. Os arquivos também ficaram disponíveis por QRCode.
4º dia: festividade recebeu autoridades
Culminando essa celebração de longevidade e atendimento de excelência, na sexta-feira, 11, a festa reuniu gestores, profissionais, crianças, adolescentes, seus familiares, e autoridades convidadas.
A festança aconteceu no pátio do ambulatório, que disponibilizou uma plataforma para gravação de vídeo em 360º ao som de músicas, uma peça de teatro simulando o trabalho no hospital e uma dinâmica com as crianças, pela Pedagogia Hospitalar da unidade, em cima de luzes e sombras e impressões de imagens de raio-x.
Entre risos e choros, a festa marcou também a despedida de Elaine López, que sai da direção do hospital. O prefeito Axel Grael, a secretária municipal de Saúde, Anamaria Schneider, a vice-presidente de Atenção Coletiva e Ambulatorial da Família (VIPACAF), Maria Celia Vasconcellos, o vereador reeleito, Binho Guimarães (PDT), e a líder comunitária e participante do Conselho Local de Saúde, Denise Vianna, foram os(as) convidados(as) especiais da cerimônia.
A nova diretora executiva, com a saída de Elaine, Julienne Martins, que até então era diretora médica da unidade fez a saudação inicial do evento. “A pediatria, e eu não me refiro apenas aos médicos pediatrias, tem papel fundamental no crescimento e desenvolvimento saudável das crianças”, afirmou. Ao mostrar o desenvolvimento da especialidade no país, enalteceu o atual papel do Getulinho como um espaço de ensino para trabalhos de pesquisa e ciência. Segundo ela, o Getulinho enfrentou diversos desafios, como a epidemia de poliomielite, as primeiras cirurgias cardíacas, o incêndio do Grand Circo em 1961, o alto índice de desidratação nos anos 70, as epidemias de dengue, H1N1 e a mais recente da Covid-19. Emocionada, Julienne afirmou que no hospital se trabalha com paixão: “são 70 anos cuidando com qualidade, cuidando com paixão – temos certeza que todos tem muito orgulho de trabalhar aqui!”.
Após a exibição da peça de teatro, em que profissionais brincaram com a rotina do hospital e se reconheciam entre os personagens satirizados, Elaine foi homenageada de surpresa, com um vídeo com fotos de diversos momentos na rotina da unidade e um arquivo com declarações de afeto escritas pela equipe do hospital em que ela dirigiu por 6 anos com muita dedicação e também muita paixão, como a Julienne cita. “A concepção de cuidado em saúde, a concepção do trabalho em rede, a concepção de SUS – que é um patrimônio do Brasil – tudo isso vai continuar aqui com vocês. Os ciclos vão passando e eu espero, de verdade, que tenha ficado um pouquinho de mim em cada um de vocês”, desabafou deixando toda a comunidade hospitalar com os olhos marejados e aplausos entusiasmados.
Para a secretária de saúde, Anamaria Schneider, o Getulinho é uma marca registrada da rede pública de saúde de Niterói e de outros municípios que procuram a unidade por sua excelência. A secretária destacou “a reabertura da emergência em 2013 e o Contrato de Gestão que possibilitou um reforço na profissionalização da gestão”. A união com o Instituto Ideias também foi enaltecida e Anamaria saudou o diretor Carlos Bohrer: “é uma parceria de 10 anos que profissionalizou a gestão, com metas de desempenho - foi uma forma de trabalho bem desenvolvida, com profissionais com direitos trabalhistas e pode servir como exemplo para toda a rede”. Nesta linha, o prefeito Axel Grael complementa: “quando eu nasci esse hospital já tinha 4 anos e tudo isso aconteceu porque tivemos uma geração de profissionais que se dedicaram muito a esse hospital para ter a reputação e reconhecimento que tem hoje”, ressaltando também a atual obra que se iniciou recentemente na unidade e que vai expandir serviços e melhorar infraestrutura.
Como marco dos 70 anos do Getulinho, foi inaugurado no corredor um painel com uma linha do tempo contando a história no hospital desde 1954 e a listagem de todos os seus diretores. Além disso, no jardim da entrada do ambulatório, um ipê foi plantado pelo prefeito Axel Grael em uma parceria com a CLIN. Por fim, um vídeo comemorativo realizado pelo Instituto Ideias foi exibido reunindo diversas fotos do trabalho na unidade pediátrica.
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