Entre Três Poderes e Nenhum Governo - Artigo de Filinto Branco
- Filinto Branco
- há 4 dias
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Eu ia continuar a série sobre o fim do trabalho — afinal, poucas coisas são tão fascinantes quanto observar o capitalismo nos substituir por máquinas com mais entusiasmo do que qualquer departamento de RH já demonstrou. Mas o Brasil, sempre atento para nos tirar do tema, resolveu lembrar que, antes de sermos trocados por robôs, ainda seremos triturados pelo Congresso. E, diante da semana que tivemos em Brasília, qualquer reflexão sobre o futuro pode esperar. Já o incêndio institucional do presente, não.
Em poucos dias, o Legislativo derrubou dois vetos presidenciais de peso: o da nova lei ambiental, aquele “liberou geral” cuidadosamente embalado na retórica da defesa do produtor rural, e o da renegociação da dívida dos estados, que transforma bilhões de reais em fichas de um cassino legislativo onde cada aposta tem dono, preço e endereço certos. Dois movimentos distintos, uma mensagem única: o Executivo perdeu o volante, e o Congresso percebeu que pode dirigir o país sem ter carta de condução.
O Planalto assistiu aos recados como figurante de novela: aparece no fundo, anda de um lado para o outro, finge que está fazendo algo, mas não altera o rumo da história. Não houve articulação, não houve resistência, não houve sequer o teatro básico de quem tenta, pelo menos, salvar a própria autoridade. Limitou-se a observar, contabilizar danos e ensaiar explicações: sempre depois, nunca antes. E esse tipo de postura não engana ninguém, muito menos um Congresso que fareja fragilidade e vingança como onça fareja carne fresca.
E vingança, essa sim não falta. A escolha de Jorge Messias para o STF contrariou os planos de Rodrigo Pacheco, que desejava ser ele próprio o indicado, e frustrou Davi Alcolumbre, que articulava silenciosamente para viabilizar essa pretensão. A decisão do Planalto foi entendida, no Senado, como afronta direta. O placar dos vetos, portanto, não foi apenas uma derrota do governo: foi ajuste de contas. Na política, ninguém esquece nada, só aguarda a oportunidade ideal para devolver.
Mas a crise não termina aí. Ela se aprofunda com as investidas recentes da Polícia Federal, que atingiram em cheio dois bolsões de poder econômico com trânsito constante em Brasília: o banco Master e o grupo Refit.
Quando a PF sobe a escada do capital financeiro, ela nunca para no primeiro andar. A atmosfera no Congresso é de desconforto real: deputados e senadores sabem que operações como essas revelam laços, conversas, doações, favores e, em certos casos, dependências. Não é por acaso que muitos fizeram questão de demonstrar apoio público às instituições enquanto, em privado, buscavam saber até onde a luz da investigação poderia alcançá-los. Na capital, quando a PF trabalha, ninguém dorme tranquilo.
Mas a crise não se resume à fragilidade do Executivo. Ela é alimentada pela soberba de um Parlamento que se vê cada vez mais intocável, confortável e corporativista. Temos hoje um Congresso mais conservador e mais dedicado aos seus próprios interesses do que em qualquer período recente. Um Legislativo que não legisla: administra feudos. Que não representa a sociedade: representa corporações e castas políticas. Que não projeta o futuro: negocia o presente.
E, nesse mercado persa institucional, a lógica é simples:
O agro quer mais espaço? Leva.
As corporações querem privilégios? Levam.
Governadores querem dar calote fiscal? Levam.
No Brasil, a pergunta nunca é “se” o Congresso entrega; é “quanto” custará. E a fatura, como sempre, vai para o país.
Enquanto isso, o Executivo opera num fuso político próprio, sempre dois movimentos atrás, sempre explicando derrotas, sempre pedindo paciência — como se paciência resolvesse uma disputa de poder. De tanto recuar, o governo se tornou um predador que teme a presa. E um Congresso que percebe isso faz exatamente o que qualquer predador faria: avança até onde ninguém o detém.
Só que o drama brasileiro é mais profundo do que a crise da semana. Temos um defeito de fábrica institucional. Não somos presidencialistas de verdade, não somos parlamentaristas e tampouco tivemos coragem de assumir um semipresidencialismo funcional. Criamos, à brasileira (mais uma jabuticaba), um arranjo híbrido que não se assume: um presidencialismo com pouca autoridade e um parlamentarismo sem responsabilidade. O presidente leva a culpa por tudo, mas não controla quase nada; o Congresso controla quase tudo, mas não responde por nada. É a fórmula perfeita da instabilidade permanente.
E, como o equilíbrio entre os poderes virou ficção constitucional, emerge o personagem onipresente do nosso enredo: o Judiciário. No Brasil, quando Executivo e Legislativo não decidem, ou decidem mal, quem governa é o Supremo. Tudo é judicializado: orçamento, floresta, impostos, dívida dos estados, política ambiental, relações federativas, até o calendário legislativo. O STF virou árbitro, legislador, bombeiro e cartório, tudo ao mesmo tempo. Não por excesso de ambição, mas por abandono dos outros dois poderes, que transformaram a política em deserto e deixaram o Judiciário como único oásis institucional disponível.
Assim seguimos: o Congresso governa demais, o Executivo governa de menos, o Judiciário governa porque precisa e o Brasil, como sempre, paga a conta. Com floresta, com orçamento, com reputação internacional e, sobretudo, com um futuro que insiste em nos escapar pelas mãos.









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