COP do Povo: Tribunal dos Povos condena mais de 800 empresas por ecogenocídio
- Redação RT Notícia
- 14 de nov.
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Sob os perfumes da floresta, pisando em folhas verdes ao som de maracás, lideranças populares, movimentos sociais e defensores ambientais se reuniram com muita mística para a realização do Tribunal dos Povos contra o Ecogenocídio no Ministério Público Federal de Belém, durante os dias 13 e 14 de novembro.
Ao longo dos dois dias, fortes depoimentos denunciaram as múltiplas formas de violência, destruição e injustiças ambientais que atingem os territórios do Brasil e do mundo, por meio de 21 casos selecionados para o banco dos réus, entre dezenas de denúncias recebidas ao longo do último ano.
Articulado pelo Movimento Organizações de Base pelo Clima (também conhecido como COP do Povo), a exemplo da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Instituto Zé Cláudio e Maria, o evento teve como objetivo dar visibilidade a casos ignorados pelo sistema judicial e pelos espaços oficiais de negociação, reunindo provas, dossiês e testemunhos de comunidades afetadas por grandes empreendimentos, falsas soluções climáticas e violações de direitos humanos.
“Esse trabalho deveria ser feito por todas as instituições democráticas, dar espaço para que as próprias comunidades digam os casos em que estão sendo violentados. É importante que as próprias comunidades possam ser protagonistas das suas próprias histórias, o que ouvimos aqui são relatos muito graves que precisam de atenção”, declarou o procurador da República na Ministério Público Federal, Rafael Martins.
“Ouvimos aqui denúncias profundas de massacres e atentados à vida, por isso esperamos que o tribunal acolha todas as graves denúncias apresentadas e encaminhem para as autoridades, para que a gente consiga avançar na defesa da vida, dos direitos dos povos e que a gente consiga manter a Amazônia conservada, preservada, e especialmente os povos que a defendem e dela dependem para viver”, destaca o coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dom José Ionilton de Oliveira.
Os casos foram agrupados em três eixos: falsas soluções climáticas, grandes empreendimentos e violência no campo, onde em cada um deles, as comunidades atingidas apresentaram suas versões diante de onze juízes populares, formado por lideranças indígenas, quilombolas, juristas, acadêmicos e organizações de direitos humanos.
Foi necessário um rígido protocolo de segurança para proteger as pessoas que prestaram depoimentos, considerando as ameaças e risco à vida das testemunhas na maioria dos casos.
Casos apresentados
Entre os casos analisados está o de Fernando dos Santos Araújo, sobrevivente do massacre de Pau D’Arco, no Pará, em 2017, assassinado quatro anos depois com o que as testemunhas apontam como queima de arquivo.
No massacre foram assassinados dez trabalhadores sem-terra durante uma operação policial na fazenda Santa Lúcia, e naquele período, Fernando sobreviveu e relatou o que viu. Investigações da Polícia Federal e do MPF apontaram indícios de tortura e execuções à queima-roupa; a defesa dos policiais sustenta que houve confronto e nega as acusações. Depois de relatar ameaças, Fernando foi morto com um tiro.
Testemunha do caso durante o Tribunal dos Povos, o camponês Manoel Gomes apresentou em detalhes o que aconteceu no dia do Massacre de Pau D’arco.
“A polícia chegou atirando e quem não conseguiu correr, foi assassinado. Eu acordei com gente me chamando avisando que mataram ele [Fernando] e eu fui até a casa dele, que ficava a 200 metros da minha casa. Estava todo mundo aflito, foi uma cena terrível”, declara Gomes.
Com oito anos de impunidade e considerado o maior crime no campo dos últimos 20 anos, desde o Masssacre de Eldorado dos Carajás, a comunidade ainda pede justiça e, no local, ergueu uma capela onde todos os anos são feitas homenagens às vítimas.
“A gente não pode estabelecer que o nosso estado seja um estado impunidade. No caso de Pau D’arco, chama atenção que o Fernando sobrevive ao massacre e mesmo com todas as evidências, todos os indícios de que ele poderia ser assassinado, o estado não se colocou para defender a sua vida. Nós sabemos que o Fernando foi assassinado como queima de arquivo, para que não pudesse depor”, explica a dirigente de direitos humanos do Movimento Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Polliana Soares.
Além desse caso, foram apresentados casos internacionais como o de Julia Chuñil Catricura, liderança chilena da comunidade mapuche e defensora ambiental que desapareceu em novembro de 2024 na floresta onde vivia e a família suspeita que caso esteja ligado a disputa fundiária.
Seu filho, Pablo San Martín Chuñil esteve no tribunal e revelou impunidade contra os crimes do latifúndio chileno do governo de Gabriel Borić.
“Imagina ser acusado pelo desaparecimento forçado da sua própria mãe? De ter queimado as roupas da sua própria mãe? Minha mãe era uma verdadeira liderança, ela estava sozinha na sua luta, criando uma comunidade e foi criminalizada por isso”, declarou San Martín.
Genocídio na Palestina
No último dia do Tribunal dos Povos, teve destaque ainda a presença da Coalizão Palestina, representada por Rula Shadeed, jurista palestina e co-diretora do Instituto Palestino de Diplomacia Pública (PIPD) e a jornalista Soraya Misleh, da Frente Palestina de São Paulo.
“A causa palestina é a síntese de todas as injustiças do mundo, e eu não falo isso porque nos achamos melhor que alguém, mas porque os Estados Unidos nos faz de cobaias humanas para exportar o seu modelo de morte que se espalha por todo mundo (…) mas nós nos recusamos a ser apagados do mapa e vamos resistir”, declara Misleh.
Em lágrimas, as duas representantes reforçaram que a resistência do povo palestino não é uma escolha, é uma existência sob a constante ameaça de apagamento e pediram ao júri popular o fim do cionismo e a garantia de uma Palestina livre do rio ao mar.
Sentença final do júri
Com base nas provas testemunhais, documentais e manifestações dos especialistas, o tribunal de júri popular condenou os Estados nacionais do Brasil, Bangladesh, Chile, Colômbia, Bolivia, Guiné Bissau e Israel, pelas violações, decorrentes do que chamam de “projeto colonial, racista, patriarcal, pautado na patrimonialização da natureza, favorecendo empresas públicas e privadas, nacionais e não nacionais, em detrimento de direitos dos povos e comunidades tradicionais”.
E ainda, condenaram mais de oitocentas empresas privadas, dentre os quais estão ADM, Cargill, Bunge, Loius Dreyfus, Amaggi, Minerva, Duliricouros, Mastrotto, JBS, Viposa, Enel, Econtrol, Norte Energia.
De igual modo, condenou os agentes do sistema financeiro público, privado e multilateral que financiam o agronegócio e as violências associadas: BNDES, Banco da Amazônia, Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Banco Mundial e JP Morgan Chase.
O júri foi formado pelo Cacique Ramon Tupinambá, Aiala Colares de Oliveira Couto, Iyalasé Yashodhan Abya Yala Muzunguè CoMPaz, Girolamo Treccani, Itahu Ka’apor, Andréia Macedo Barreto, Marcela Vecchione-Gonçalves, Luiz Felipe de Alencastro, Eliete Paraguassu, Helena de Souza Rocha e Nô Recursos.
“Esta sentença é mais que decisão: é canto, é tambor, é lamparina acesa na vigília dos povos! É anúncio de esperançar por vida digna no tempo do agora, aqui, nesse espaço onde se encontram os povos e depois, no tempo em que a memória do que vivemos for invocada como força de luta”, declarou a organização.
Relação de casos julgados:
1. Autodefesa dos Territórios de Mãe Preta frente à violação do direito fundamental à Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa Fé
2. Bloodwood – a devastadora pilhagem do pau-rosa das nossas florestas
3. Caso Fernando dos Santos Araújo – Testemunha do Massacre de Pau D’Arco
4. Caso Seringal Belmont – Resistência Camponesa na Amacro
5. Colonização e ecocídio de Israel na Palestina Ocupada
6. Defensores da Terra: Julia Chuñil Catricura – Presente
7. Desapropriação de povos indígenas no âmbito do projeto SUFAL em Bangladesh
8. Dragagem no Rio Tapajós
9. Expulsão de comunidades e povos tradicionais pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte
10. Guerra química no Maranhão: pulverização aérea de agrotóxicos em Buriti
11. Hidrovia Araguaia Tocantins
12. Banco JPMorgan Chase (JPMC) financiador do fim do mundo
13. Mercados de carbono como ferramenta de expropriação na Amazônia
14. O Corredor Logístico do rio Madeira e as Violações de Direitos Sociais e Ambientais: Hidrovia do Rio Madeira, Hidrelétricas, BR-319 e BR-264
15. Os crimes do Sistema Financeiro e seus impactos ambientais e climáticos
16. Povo Wayuu comunidade wimpeshi contra e ecopetrol e o estado da colombia
17. Projeto da Ferrogrão
18. Terminal portuário da Cargill em Santarém/PA
19. Território Envenenado: Efeitos da Expansão da Soja e do Uso de Agrotóxicos na Vida Avá-Guarani
20. Trabalho escravo, desmatamento e invasão de terras indígenas na pecuária bovina na Amazônia
21. Violações do agronegócio às comunidades quilombolas em Salvaterra, Ilha do Marajó
Fonte: Brasil de Fato








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