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Israel, Irã e o Estopim Global – Com a Digital de Trump


Enquanto os céus do Oriente Médio voltam a se incendiar com mísseis e drones, uma figura reaparece entre as chamas: Donald Trump. Se ainda havia alguma dúvida de que o mundo saiu dos trilhos, o confronto direto entre Israel e Irã tratou de eliminá-la.


O Oriente Médio retorna ao centro do caos — como se algum dia tivesse deixado esse posto — e o nome por trás das explosões, mesmo que tente se esconder no Salão Oval, é um velho conhecido.


No seu segundo mandato, Trump faz o que sempre soube: atiça incêndios com a mesma naturalidade com que publica “verdades alternativas” no X (ex-Twitter). A ofensiva israelense contra o Irã, vendida ao mundo como autodefesa, traz o selo oficial da Casa Branca. Não se trata do carimbo diplomático — cauteloso, às vezes sinuoso — dos tempos de Obama, mas da beligerância performática: drones, mísseis e discursos vazios sobre paz. A mensagem é cristalina: Netanyahu tem carta branca. E, se o Irã revidar — como já revidou —, melhor ainda; um inimigo ativo rende mais manchete do que um tratado assinado.


O enredo, porém, começou antes. O prólogo foi a brutal invasão da Faixa de Gaza, inicialmente justificada como resposta aos ataques do Hamas, mas rapidamente convertida em massacre prolongado de civis palestinos. Com o aval ora silencioso, ora entusiasmado de Washington, Israel reduziu bairros inteiros a escombros sob o pretexto de “eliminar ameaças”. A guerra deixou de ser contra o Hamas faz tempo; tornou-se guerra contra a própria ideia de resistência — e, por extensão, de dignidade.


As raízes do conflito, no entanto, não brotaram ontem — nem anteontem. São milenares, com DNA bíblico e tempero geopolítico. Tudo começa, como quase tudo no Oriente Médio, com Abraão. Sim, o mesmo patriarca que as três grandes religiões monoteístas reivindicam como ancestral comum. De um lado, Isaque; do outro, Ismael — dois irmãos, dois destinos, e uma herança divina que parece ter vindo sem escritura registrada. A promessa de Deus, feita a Abraão, ecoa até hoje como cláusula pétrea em disputas territoriais. Jerusalém, cidade de três fés e nenhuma paz duradoura, tornou-se o epicentro dessa herança conflituosa. Séculos depois, com o colapso do Império Otomano e o mandato britânico, a confusão ganhou fardas modernas e mapas com linhas tortas.


Em 1948, veio a criação do Estado de Israel — e junto dela, uma longa sequência de guerras, êxodos forçados e ressentimentos históricos. Para o mundo islâmico, a causa palestina virou símbolo de resistência. Para Israel, qualquer crítica vira antissemitismo. E o que era uma promessa divina virou, para muitos, uma terra arrasada. A tragédia, como sempre, é metade geopolítica, metade metafísica — e, para piorar, inteiramente real. Netanyahu, sitiado internamente por protestos e escândalos, encontrou em Trump um aliado perfeito: ambos sabem que, em tempos de baixa popularidade, nada desvia mais a atenção do que uma boa guerra.


E o Irã, com seu perfil de vilão milenar, ajuda. Teerã joga xadrez de longo prazo com peças assimétricas — Hezbollah no Líbano, houthis no Iêmen, milícias no Iraque — e ninguém que entenda minimamente de geopolítica persa acredita em derrota fácil. Convém dizer, antes que os rótulos comecem a circular, que não se trata aqui de romantizar o regime iraniano — muito menos seu projeto nuclear.


O governo dos aiatolás é autoritário, teocrático e opressor. E a ideia de um Irã armado com ogivas atômicas não é exatamente animadora. Mas isso não pode servir de salvo-conduto para que Israel transforme a região em campo de testes de sua superioridade bélica, com apoio irrestrito de um Trump que confunde política externa com programa de auditório. Trump segue prometendo “resolver tudo em 24 horas”, como se o Oriente Médio fosse reunião de condomínio mal conduzida. Ironia das ironias: foi ele quem, em seu primeiro mandato, rasgou o acordo nuclear com o Irã, abandonou qualquer diálogo regional e terceirizou a diplomacia aos aliados mais radicais.


O resultado salta aos olhos: um Oriente Médio ainda mais instável, um Irã mais agressivo e um Israel sem freios. Parabéns aos envolvidos. E o Brasil? Ao contrário do que muitos esperavam, Lula não se omitiu. Condenou duramente os ataques de Israel a Gaza — em termos que causaram furor em Tel Aviv e fizeram diplomatas americanos torcer o nariz. Mas também rejeitou publicamente a ofensiva israelense contra o Irã, criticando a escalada militar e defendendo que o caminho do confronto direto entre Estados era não só temerário, mas irresponsável.


Em meio a um mundo em chamas, Lula parece insistir que existe ainda uma coisa chamada diplomacia — embora poucos, hoje, estejam dispostos a escutá-la. Enquanto isso, o planeta gira (ou se desorienta). A ONU observa, impotente. A Europa vacila. A imprensa corre atrás das explosões. E os civis, como sempre, cavam sepulturas. Trump age como se ainda estrelasse um reality show: drama garante audiência; paz, não. Resta-nos assistir ao espetáculo, cada vez mais conscientes de que não há cortina para cair— só fumaça. O século XXI confirma que, se a história às vezes se repete como farsa, em outras se repete como míssil.


E Trump, entre bravatas, lembrar-nos de que a paz segue sendo uma ideia radical demais para a realpolitik do mundo. Até a próxima - na torcida pra que Trump não vá do digital ao real.

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